31 de dez. de 2009

Criança e deus

Uma criança pronta pra nascer perguntou a deus:
“Me disseram que serei enviado a terra amanhã...
Como eu vou viver lá, sendo assim pequeno e indefeso?
“ E deus disse:
"Entre muitos anjos, eu escolhi um em especial pra você.
Estará te esperando e tomará conta de você.
" Perguntou a criança:
"Mas diga-me: aqui no céu eu não faço nada a não ser cantar e sorrir,
o que é suficiente pra que eu seja feliz.
serei feliz lá?
" Deus falou:
"Seu anjo cantará e sorrirá para você...
A cada dia,
a cada instante, você sentirá o amor do seu anjo e será feliz".
e a criança respondeu :
"como poderei entender quando falarem comigo,
se eu não conheço a língua que as pessoas falam?
" Deus ponderou:
"Com muita paciência e carinho, seu anjo vai te ensinar".
A criança estava cheia de dúvidas:
"E o que farei quando eu quiser falar com você?".
"Seu anjo vai juntar suas mãos e te ensinar a rezar, disse deus.
" "Eu ouvi que na terra há homens maus.
Quem vai me proteger?", perguntou ansiosa a criança.
E deus:
"Seu anjo vai te defender mesmo que isso signifique arriscar a vida dele".
A criança: "Mas eu serei sempre triste porque não vou te ver mais".
Deus: "Seu anjo sempre vai te falar sobre mim,
te ensinar a maneira de vir até mim,
e eu estarei sempre dentro de você".
Nesse momento havia muita paz no céu.
Mas as vozes da terra já podiam ser ouvidas.
A criança, apressada, pediu suavemente:
"Oh deus, se eu estiver a ponto de ir agora,
diga-me, por favor, o nome do meu anjo".
E deus respondeu:
"Você vai chamar seu anjo de...
Mãe".

Texto: Mario e Gilda Ribeiro de Brasília

ANO NOVO


ANO NOVO


METADE

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante
Porque metade de mim é partida mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

Oswaldo Montenegro

16 de dez. de 2009

Amigos


Escolho os meus amigos não pela pele nem outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito ou os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero o meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.
Não quero só ombro ou colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.
Quero amigos sérios,
daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem,
mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e a outra metade velhice.
Crianças,
para que não esqueçam o valor do vento no rosto e velhos para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos,
bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de Oscar Wilde.
Que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Texto: Oscar Wilde


Sempre o Tempo



Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que,
apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral ou semelhante bobagem, seja ela qual for.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia,
quero viver ao lado de gente humana,
muito humana;
que sabe rir de seus tropeços,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade,
defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado de deus.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes,
nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena.
Basta o essencial!

Mensagen escrita por Rubem Alves.